6 de Dezembro de 2022
De Azare, nascido judeu em Trípoli, a Mateus de Monserrate, falecido cristão em Viana
Talvez influenciado pelas novas correntes de tolerância relativamente aos judeus que, em meados do século XVII, emanavam do reino de Portugal, Azare, um judeu oriundo de Trípoli, desembarcava na vila de Caminha.
Depois de uma vida, no mínimo, atribulada que envolveu viagens a Veneza como comerciante, na época uma das maiores potencias económicas e comerciais da Europa, passando por um crime passional, a fuga e a forçada conversão ao Islão, enquanto integrante da frota corsária que dominava a costa da Argélia, aporta em 1650 em Caminha, no norte de Portugal. Segue para a então vila de Viana onde aprende, com o pároco de Monserrate, Augustinus Macielliz, os rudimentos da doutrina cristã. Em outubro do mesmo ano abjura as religiões judaica e muçulmana, fazendo a profissão de fé cristã sendo batizado com o nome cristão de Mateus de Monserrate. Faleceu onze anos depois, a 16 de fevereiro de 1661, tendo sido sepultado no adro da igreja de Monserrate.
Em 1994, António Matos Reis e Maria Olinda Alves Pereira, no artigo “Atribulada história de um judeu que desembarcou em Caminha e terminou os seus dias em Viana na segunda metade do século XVII”, publicado no número 13/14 (pp. 105-117) da Revista de Cultura do Alto Minho, deram a conhecer a história de Mateus de Monserrate ( Azare) fazendo um enquadramento histórico do ambiente vivido em Portugal, nomeadamente sobre o papel do padre António Vieira na tentativa de criar um ambiente favorável à tolerância face aos cristãos novos e judeus.
Poderá ver os seguintes documentos que estarão patentes durante o mês de dezembro de 2022 no edifício do Arquivo Distrital de Viana do Castelo.
Auto de conversão do hebreu Azarea
Aos quinse dias do mês de Outubro do anno de mil seiscentos e cincoenta nas casas de minha morada apareceo Azarea homem de nação hebreo filho de Michael e Missouda hebreos da cidade de Trebles na Barbaria, e dice que na primeira sua idade fora com mercansias a cidade de Venesa, e depoes casara na dita cidade de Trebles com hebrea, a qual matara por ser adultera, e juntamente alguns complices pella qual resão fora paleado, e ficara deste castigo tremel,e aleijado como se viu, e fora desterrado da dita patria sendo de iddade de vinte annos, três de cazado, e lhe confiscarão os bens pello que andara mendicando por aquellas partes te passados nisto dose annos. E viera ultimamente vivendo sempre na lei de Moises dar a Bona cidade do Reino de Argel aonde com temor da Morte e por forsa o fiserão professar a maldita seita de Mahuma, e logo se passara a Argel aonde estevera três annos guardando os navios d`el rei e nelles fisera algüas saídas ao mar a pilhagem, e a Candia, e que des que se vira viuvo e desterrado sempre tivera animo de se sabautisar, e morrer na fee de Christo, e desejava para isso aportar em terra de Christãos como succedeo, aos desasseis de Julho do presente anno em Caminha aonde pedio o santo bautismo, e que com este intento preserverara hem compartimento delle tinha vindo a esta minha casa aprender a doutrina com tinha aprhendido combem a saber o padre nosso, ave-maria, o creo em Deus padre, os mandamentos e Lei de deus e os sinco da Sancta Igreja e sete sacramentos com a declaração necessaria e que desde logo aborrecia a perfidia Judayca e Mahumetica, e despresava a hebraica superstição e a depravada seita de infelidade, e abrenunciava a Satanas, e a todas as suas obras, e pompas, e só queria e protestava viver e morrer na Lei de Santíssimo Christo Deus e homem verdadeiro a quem confessava por verdadeiro Mexias prometido na Lei e prophetas, e que na fim do mundo avia de vir a julgar vivos e mortos, e que finalmente tudo cria e professava o que Sancta Igreja Romana mandava crer, e ensinava e a sempre a ella queria obedecer como verdaeira may e sposa do Sperito Sancto. E logo me pedio, e requereo que poes que o tinha cataqchisado o quisesse bautisar, como parocho a qum pertencia por estar na mesma parochia e tudo fes ante as testemunhas ao diante nomeadas e logo assentei que o bautisaria domingo que serão vinte e três do presente, e que lhe poria o nome Matheus de Monserrate assim o pedido, e ainda que saiba escreverem hebreu comtudo por rasão de sua dita emfermidade o não podia fazer e pedia ao padre António Gomes Ferreira morador nesta parochia e cura della, que por elle assinasse e como testemunha e o Padre Pedro da Costa, e eu Agostinho Maciel que este termo fis a instancia do dito catachumeno e por mo pedir em o dito mês e anno e dia, e assinei com as testemunhas, e não fassa duvida o emmemdado que dia aborrecia, nem o riscado regra vinte e duas que disia na, easima proxime regras na entrelinha. Assino por me pedir o dito cathachumino por elle e como testemunha. António Gomes Ferreira.
(Seguem-se assinaturas:) Augustinus Macielliz – Pedro da Costa
___
Registo de Auto de Conversão de Azare, à Religião Cristã, in Livro de assentos de batismos da paróquia de Monserrate (1641-1662), 3.19.4.17, f.111vº a 112 vº, Arquivo Distrital de Viana do Castelo,
PT/ADVCT/PRQ/PVCT19/001/00002
___
Assento de batismo de Mateus de Monserrate
Assento de óbito de Mateus de Monserrate